Forros

Início da colocação do forro seguindo a linha da 1ª coberta. As tábuas do primeiro forro são de madeira de bétula com uma espessura de 2 mm por 6 mm de largura e estão fixas às balizas com pregos. No segundo forro, as dimensões relativas das tábuas manter-se-á, mas a fixação far-se-á com alfinetes de sinalização colocadas lateralmente em relação à tábua a fixar, para não deixar marcas de pregos ou manchas de oxidação.
Deu-se continuidade à aplicação do forro partindo da 1º coberta para cima e para baixo. Quando a continuidade da colocação das tábuas exige demasiado esforço, abre-se uma nova linha de referência, para a continuidade do trabalho, um pouco mais abaixo. Em todo este processo de colocação de tábuas convém sempre verificar se a estrutura não sofreu qualquer empeno acidental devido à pressão das pranchas de forro e garantir uma perfeita simetria na colocação das tábuas em ambos os bordos.
A partir de certa altura torna-se mais fácil proceder à colocação das tábuas do forro a partir da quilha.
A parte mais difícil da aplicação do forro está completa. Faltam ainda alguns remates entre tábuas e colocar o primeiro forro na zona dos castelos.
Primeiro forro completo após desempolamento geral da embarcação. Para realizar o desempolamento usou-se uma lixadeira excêntrica com um disco abrasivo de grão relativamente grosso ( grão 80). A ideia é obter uma superfície harmoniosa antes de proceder à aplicação do segundo forro. 
Fazemos agora um intervalo na aplicação do forro para proceder à colocação da quilha, roda de proa e cadaste, sendo que para tal é necessário remover o remanescente da peça axial na zona da quilha e do cadaste.
Seguindo os procedimentos da construção naval portuguesa do séculos XVII e XVII consignados nos textos eruditos e comprovados pela arqueologia subaquática, os talhões da quilha são unidos com escarvas verticais lisas ou lavadas. A quilha, conjuntamente com os dois coices, é composta por sete talhões.
A roda de proa em pormenor com duas peças escarvadas além do coice.
Coice de popa. Veja-se o desenho da mesma peça no Livro Primeiro da Architectura Naval de João Baptista Lavanha.
Vista de pormenor sobre a roda e o cadaste com os talhões e as suas escarvas. Repare-se nas aberturas para os canhões de caça, ladeando o cadaste abaixo do gio.
Início do segundo forro com a segunda cinta dobrada, colocada ao nível do pavimento da segunda coberta e duas tábuas do forro da alcaxa acima e abaixo da referida cinta. A cinta é composta por duas lamelas de madeira de bétula com 3,75mm de secção, em quadrado. Repare-se que, nesta fase, para fixar as madeiras usa-se alfinetes de sinalização que são colocados lateralmente à tábua a colar. Esta é a primeira vez que estou a utilizar este sistema de fixação das pranchas do forro e devo a ideia ao meu aluno Jorge Rodrigues. Anteriormente perfurava as tábuas a fixar com alfinetes mais finos, mas este sistema é mais eficaz e muito mais económico. Mais eficaz porque as tábuas não ficam perfuradas e não correm o risco de ficar manchadas devido à oxidação dos alfinetes; mais económica porque, contrariamente aos alfinetes mais finos, estes, por serem mais grossos, não tendem a danificar-se com a mesma frequência e a “perder a cabeça” tão facilmente. Quando se usa este sistema de fixação deve-se, no entanto, acautelar para não deixar marcas, provocadas pelo ferro do alfinete ou pela saliência em plástico, nos rebordos das tábuas.
Acerca das cintas, vale a pena recordar aqui as palavras do Livro da Fábrica das Naos, de Fernando Oliveira a propósito das cintas nas embarcações do século XVI. Diz o autor que “As cintas tambem são necessarias, e sao mays grossas dous dedos, ou mays, que as tauoas, mas não tão largas come ellas. São tão largas como grossas, pouco mays ou menos, de feyção que ficão sendo caybros mays que tauoas; e assy he necessario, para liarem, e fortalecerem os nauios. E posto que fiquem de releuo mais alto que as tauoas, não he inconueniente, por que correm ao longo, e não se encontrão co mar, nem eseoruao o caminhar. A premeyra se acostuma por abayxo hum pouco da premeyra cuberta, ou ao menos ygual do dormente della; e as outras dahy para cima quantas couberem atee o conues, de tres em tres palmos, pauco mays ou menos, segundo permittir aquelle espaco, No costado do porao não acostumão lançar cintas per fora, par ficar mays liso, e sem empedimento da corrente, e dos uasos; mas lancão per dentro tauoas grossas, a que chamão escoas, e dragas: as quaes suprem por cintas.”
Perspectiva da aplicação do 2º forro, com o navio a fazer da quilha portaló. O forro entre as cintas da 1º e da 2ª coberta está completo e foi desempolado. Colocaram-se, sequencialmente, quatro fiadas de forro abaixo da cinta, procedendo apenas a um ligeiro afunilamento das voltas junto à roda de proa. Depois, por causa da configuração geométrica do casco, verificou-se a necessidade de afastar uma das voltas do forro para de seguida continuar a aplicação para cima e para baixo dessa tábua.

Pormenor sobre os pontos de união entre duas tábuas contínuas preparando o espaço para acolher a volta seguinte.
Última tábua do forro entre o fundo e o encolamento.
Remates junto ao cadaste
Dois modelos de um mesmo galeão.
Com o segundo forro já completo abaixo da linha do convés, o Galeão São Paulo, à escala 1/48,  que estou a fazer no Ecomuseu Municipal do Seixal. Ao lado, o modelo do mesmo navio, à escala 1/75, da autoria de Jorge Rodrigues. O Jorge Rodrigues frequentou o 2º Curso de Iniciação e Desenvolvimento em Modelismo Naval, que decorreu entre Setembro de 2009 e Julho de 2010. A construção deste galeão enquadra-se no Programa Complementar de Formação em Modelismo Naval, que possibilita aos alunos continuarem a sua formação através do desenvolvimento de projectos de construção de modelos de embarcações relacionados com o Tejo.
 

A grande vantagem de ensinar é a possibilidade de aprender. Tenho o privilégio de partilhar e de discutir as grandes opções construtivas com os alunos dos cursos de modelismo. Neste caso, a opinião do Manuel Antunes e do Jorge Rodrigues foi preciosa para determinar o arrufo do beque. Tratou-se de processo moroso, com várias discussões e ensaios, a partir da análise da iconografia de época e de algumas perspectivas eruditas. Tomámos como ponto de partida o desenho do galeão de 500 T do Livro de Traças de Carpintaria de Manuel Fernandes (16016), mas quisemos imprimir uma nota pessoal ao nosso trabalho. O nosso galeão foi construído no Seixal em 1589 e aí as pessoas, ainda hoje, têm muito orgulho e uma certa vaidade naquilo que fazem. O galeão deverá manter o “espírito da terra” e apresentar  um ar “esperto”, pelo que o beque não poderia ficar nem excessivamente “à pesca” nem demasiado “pensativo”. O resultado agrada-me, mas como a peça ainda não foi colada o assunto continua em discussão. 

 
Desenho e corte  das portas da bateria entre as cintas da 2ª coberta e do convés. Repare-se que até à linha do convés as cintas são dobradas e daí para cima são singelas, mas foi adicionada uma entre-cinta  que é também singela.


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